Minha história

Menos de 4 horas para meu voo e eu sequer havia arrumado as malas. Como de costume, deixara tudo para a última hora, mas agora, prostrado em frente à televisão desligada, nada mais fazia sentido.

Um vazio imensurável tomou conta de mim, prendendo-me ao sofá. Confuso, não conseguia ordenar meus pensamentos. Fazer as malas, fechar as janelas, desligar o gás, conferir os documentos, eu sabia de tudo o que precisava ser feito, mas qualquer vestígio de ânimo parecia ter sido sugado por um buraco negro dentro do meu peito.

Sozinho na sala, sentado, esperei. Fitei os móveis ao redor buscando sentido em qualquer coisa. Talvez fosse um mal estar passageiro, um abatimento súbito, talvez fosse falta de comida.

Eram 10 horas da manhã, eu planejara fazer um lanche no aeroporto antes de embarcar, mas decidi levantar-me e caçar algo na cozinha. Havia uma última maçã na fruteira. Mastiguei-a lentamente, bebericando um copo d’água.

Voltei ao sofá e liguei a televisão. Um repórter em frente ao Congresso Nacional falava qualquer coisa sobre as eleições. Noutro canal, um desenho animado, um comercial de supermercado, um casal discutindo, uma mesa-redonda. Desliguei-a, nada me prendia a atenção e nada fazia sentido.

Se ainda quisesse viajar, teria de arrumar as malas. Tirei a malona preta da parte de cima do armário e abri-a sobre a cama. Pensei em desistir da viagem, deitar, descansar, dormir. Talvez eu pudesse dormir no voo, ou no ônibus a caminho do aeroporto, quem sabe melhorasse. As passagens e as diárias do hotel já estavam pagas. Aquela não era a hora de desistir.

Tentei o melhor que pude tirar as camisas dos cabides, dobrá-las e empilhá-las na mala. Peguei também as calças, as bermudas, as meias, os sapatos e o que mais fosse necessário. No final, tudo parecia um amontoado de roupa suja pronto para ser levado à lavanderia. A mala de mão também foi organizada com sofreguidão, as tralhas embaralhadas, os fios entremeados, a escova de dentes jogada no fundo junto ao carregador do telefone. Faltavam pouco mais de duas horas para a decolagem.

Caminhei até o ponto e entrei no ônibus, calado. Era um ônibus especial que fazia a linha centro-rodoviária-aeroporto, e que vivia vazio. O motorista partiu no horário previsto, enquanto eu ia sentado à direita no meio do ônibus, atordoado.

De repente, uma tristeza profunda me aturdiu, alcancei o telefone e disquei para minha mãe. Expliquei-lhe como estava mal naquela manhã, abatido, um pouco tonto, desorientado, e ela tentou me acalmar. Enquanto ouvia sua voz, do outro lado da linha, uma aflição começou a crescer e, sem conseguir me controlar, desatei a chorar. Chorei, chorei sem razão, senti que precisava chorar, e não entendia o porquê daquilo. Nem a presença dos demais passageiros me inibia de chorar copiosamente como uma criança contrariada e, vexado, baixei a cabeça, chorando ainda mais.

No avião, já cansado de soluçar e de limpar os olhos marejados, desabei num sono profundo, mal ajambrado numa das poltronas miúdas da aeronave. Acordei com o chamado do comissário para desligar os aparelhos eletrônicos e reclinar o encosto do assento para a posição vertical. Fui tomado por uma zonzeira maçante, como que saído de um brinquedo gira-gira de um parque de diversões.

Desci cambaleante do avião, para em seguida embarcar no voo de conexão. Voei por mais uma hora e meia e, desta vez, permaneci acordado. Por mais que desejasse que tudo aquilo não passasse de um pesadelo, era tudo muito real: meu cérebro parecia chacoalhar dentro da cabeça. Folheei a revista de bordo, mas irritava-me ler um, dois, três parágrafos e sentir como se não houvesse entendido nada. Busquei fixar a vista no horizonte, mas a claridade que vinha de fora era uma picareta a martelar minha cabeça. Passei o restante da viagem de olhos fechados, estático, atemorizado.

Até aquele momento, não tinha certeza do que causara este sismo súbito de vazio agonizante, mas minha intuição dizia que era algo relacionado ao medicamento que tomava cotidianamente pela manhã – o Cloridrato de Venlafaxina, ou apenas Venlafaxina, também conhecida pelo nome comercial de Efexor – cuja dosagem vinha reduzindo gradativamente ao longo do último mês.

Mas o que é a Venlafaxina? E desde quando a vinha tomando? Voltemos no tempo, aproximadamente dois anos e sete meses antes da fatídica crise do vazio no peito e do cérebro numa batedeira: foi quando comecei a tomá-la.

Recém-chegado a uma nova cidade, em virtude de um novo emprego, procurei por um psiquiatra para tratar dos recorrentes episódios de ansiedade e de depressão que me afetavam, muito em função da própria mudança.

Após algumas idas e vindas a diferentes médicos, um deles me sugeriu a Venlafaxina. Já havia tomado outros remédios, mas nenhum tivera qualquer efeito no meu comportamento.

Quem quer que já tenha buscado auxílio em saúde mental sabe bem como funciona o método da maioria dos psiquiatras em encontrar o remédio ideal: erro e tentativa. Muitos pacientes passam por diversos fármacos até se ajustarem a um que não cause tantos efeitos colaterais e que seja paliativo para sua angústia. Quando deixa de fazer efeito – ou quando acham que deixa – partem para o próximo. Muitos passam a vida toda sob influência de antidepressivos.

Após alguns meses tomando a Venlafaxina sentia-me mais tranquilo, não sei bem se exatamente em função do remédio, mas aquilo era o que menos importava.

É muito difícil precisar o quanto você melhorou em função desta ou daquela droga, sendo que há outros milhares de fatores envolvidos em sua vida: alimentação, contatos sociais, relacionamentos amorosos, aquele gol marcado na pelada do final de semana, o barzinho com os amigos, o sucesso da apresentação no trabalho. Como em time que está ganhando não se mexe, continuei firme com a Venlafaxina – e quando você começa a tomá-la, mal sabe que ela vai lhe parecer tão vital quanto o ar que você respira.

A Venlafaxina faz parte de uma nova geração de fármacos surgidos em sequência ao estrondoso sucesso do Prozac, nome comercial da Fluoxetina, a “pílula da felicidade”. A Venlafaxina, além de proporcionar o aumento do nível de serotonina no cérebro – ação similar à dos fármacos da família do Prozac –, também induz o aumento da noradrenalina, que como a serotonina, é um neurotransmissor que favorece a passagem dos impulsos nervosos pelo cérebro.

Em resumo, a Venlafaxina é um ISSN – inibidor seletivo da recaptação da serotonina e da noradrenalina. Junto com os inibidores seletivos da serotonina e da dopamina, é um dos fármacos mais prescritos para o tratamento de depressão, ansiedade generalizada e síndrome do pânico. No Brasil, pode ser encontrada com diferentes nomes, dependendo do laboratório que a comercializa: Alenthus, Efexor, Venlaxin, Venlift OD ou simplesmente Cloridrato de Venlafaxina.

A cocaína, extraída da folha da coca, base de grande parte do tráfico internacional de drogas, causadora de dependência, cuja comercialização é proibida na maioria dos países do mundo –, também age como um inibidor triplo de recaptação de neurotransmissores (serotonina, noradrenalina e dopamina).

O que poucos dos psiquiatras fazem, entretanto, quando prescrevem a Venlafaxina, é mencionar os terríveis sintomas de retirada desta droga, um dos piores – senão o pior – dentre todos de sua estirpe.

A Venlafaxina possuí curtíssima meia-vida, isto é, ela é rapidamente metabolizada e excretada do organismo depois de ingerida, precisando ser reposta, em alguns casos, várias vezes ao longo do dia. O lançamento de versões modificadas da droga, com liberação continuada, comumente abreviada por XR – abreviação de “extended release” – ajudou a reduzir a dependência de ingestão do remédio em horários picados, possibilitando ao paciente tomá-lo num único horário.

Dois anos e sete meses depois de abraçá-la e tomá-la como uma bengala emocional, a Venlafaxina mostrava sua força. Aquele trágico dia em que acordei a meio palmo da loucura era apenas um sinal de que não seria tão fácil deixá-la para trás. Era aproximadamente a quarta semana em que vinha tomando uma dose inferior à usual.

No quarto do hotel liguei o tablet na tomada e resolvi pesquisar mais sobre a Venlafaxina. Até aquele momento era um completo ignorante quando à droga que tomava. Para mim, era um comprimido branco que deglutia pela manhã, nada mais. Não imaginava que a aflição descomunal que me acometia fosse resultado da mera diminuição da dosagem de um remédio que nunca me causara qualquer problema.

Depois de ler o relato desesperado de dezenas de outras pessoas que passaram pelo mesmo calvário, fiquei espantado ao me identificar em minúcia com muitos dos sintomas descritos em fóruns online. Muitos dos relatos expunham que o desmame da Venlafaxina era uma via-crúcis interminável, eram meses e meses até que os últimos sintomas arrefecessem.

Eu não teria tempo para aquilo. Na semana seguinte participaria de um congresso científico, com palestras e mesas de debate, e na outra semana ainda me comprometera com um curso de atualização profissional, também fora da minha cidade de residência. Decidi que o melhor era voltar a tomar o remédio na minha dose pré-retirada – 150 mg – e torcer para que até segunda-feira (ainda era sábado) eu estivesse recuperado.

O retorno à dose habitual não me fez melhorar. Na semana seguinte, minhas expectativas foram por água abaixo, quando acordei cedo para o primeiro dia do congresso: náusea, falta de apetite, vertigem, dores de cabeça, zumbidos. Era como se, nocauteado numa luta de boxe, tivesse sido imediatamente colocado noutro ringue para enfrentar um peso-pesado. O mais aterrorizador dos sintomas calhou-me neste exato dia: a despersonalização de si próprio, a sensação de que eu não era mais a mesma pessoa. Olhar para si no espelho e observar um estranho não é exatamente uma experiência agradável.

Levantei-me da cama do quarto do hotel, banhei-me e vesti qualquer roupa. Lembro-me que, ao sair do hotel, com o telefone em mãos, fitava a tela e tudo não passava de rabiscos, de hieróglifos indecifráveis, os pensamentos já não se concatenavam como antes.

O local do congresso ficava nos arredores, lembro-me de ter reservado um hotel na exata mesma rua, mas para que lado ficava? Sentia-me um zumbi, despojado de intelecto, um corpo à deriva, sem reação.

Fiquei na cidade ainda até quinta-feira, na esperança de que me recuperasse e pudesse participar do congresso, de uma palestra qualquer, em vão. Consultei um psiquiatra na terça-feira, que recomendou-me voltar a uma dose intermediária – 75 mg – antes de retomar a dose completa, a que estava habituado. Na quinta voei para a cidade dos meus pais, marquei uma consulta de emergência com outro psiquiatra, que orientou-me a seguir com a medicação. Muitos dos seus pacientes vão tomar o remédio por toda a vida, disse. Toda a vida dependente dessa droga destruidora? Não estava nos meus planos.

Afastei-me do trabalho por 30 dias. Em todo este período passei por privações todas as manhãs, tardes e noites, sem exceção. O diabo da Venlafaxina é que ela lhe esbofeteia impiedosamente. Qualquer insinuação de bem-estar é contragolpeada por um rebote ainda mais pernicioso, degradante e cruel, capaz de lhe levar aos chãos, de joelhos.

Ao cabo dos 30 dias afastados consultei o psiquiatra que primeiro me orientara no desmame, e decidi parar por completo. Queria me livrar de uma vez por todas da Venlafaxina, já que o retorno à minha dose terapêutica não surtira efeito. A recomendação foi que novamente parasse aos poucos, a fim de evitar os sintomas abnormais da retirada, mas eu estava fatigado daquela montanha-russa de perturbações mentais.

Há 19 dias interrompi de modo abrupto a Venlafaxina, indo de 150mg a 75mg por dois dias e então a zero. Absolutamente não é algo recomendável, por toda a miríade de efeitos colaterais, mas parecia o mais acertado para mim. Aos poucos vou descobrindo novos obstáculos – insônia, suores noturnos, pesadelos –, mas a vontade de me desintoxicar é maior.

Por vezes tenho flashes de lucidez, e são estes momentos que tenho usado para escrever este relato. São instantes de esperança na jornada da desintoxicação. Uma longa jornada.

12/01/2015

511 opiniões sobre “Minha história

  1. Eu consegui me livrar desse tormento, não foi fácil mas consegui, são três meses de libertação e já me sinto melhor sem os efeitos colaterais e sem o efeitos trasnformadores da venlafaxina

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  2. Também quero muito saber mais sobre o venluxi, tem cinco dias que tomo mais me sento muito mal,muita dor de cabeça, náuseas,cala frio, sinto como se tivesse uma faixa apertando minha testa , visão turva,e um zumbido que fica o dia todo no meu ouvido quero muito participar,do grupo 027996515412

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  3. Tomo alenthus XR 150 a 4 meses, fiquei de domingo para segunda sem tomar pois tinha acabado e estava sem receita, a segunda feira feira foi terrível ate as 17:00 hrs, não sabia que meu organismo estava tão dependente desse remédio, amigos sempre tenham uma caixa a mais.

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    • Minha esposa está usando o velanxin. Mudou a dose e passou por todas as adaptações à medicação novamente. Diminuiu e teve os sintomas descritos no seu relato, mas não associamos ao velanxin. Poderia adicioná-la ao grupo. (83)98748-9336.

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  4. Faço uso Venlift OD 75mg a 8 dias e não sinto melhoras, e sim vários efeitos colaterais como: boca seca, suor excessivo, insônia e inquietação. Complicado. Por favor, me coloquem no grupo 71 99128 3325.Desde de já agradeço a atenção.

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  5. Começei a tomar Alenthus em fevereiro de 2017, depois de crise de transtorno de pânico e muita falta de ar. Tomei 150 mg, e um ano reduziu gradativamente, atualmente o medico reduziu pra 75mg. Até devida alta o que ainda nao tive. Não tive efeito colateral, somente minha boca seca no início do tratamento. Estou muito melhor, no entanto engordei, embora faço atividare fisica. Recomento o Alenthus, nada contra.

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  6. Pessoal por favor, gostaria muito de entrar nesse grupo. Tomo Venlafaxina e estou com muito medo. Tenho 21 anos e comecei com a medicaçao recentemente. Eu preciso muito conversar com pessoas que usam essa droga. Por favor me adicionem no grupo 031 987773554

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  7. Gente, se por acaso esse grupo citado não existir mais, criem um novo, eu gostaria muito de trocar informações e histórias com pessoas que vivem coisas parecidas com as minhas, porque quem não vive, parece não compreender. 😦

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  8. Boa noite pessoal. ..comecei a tomar Venlafaxina a 33 dias,começou um zumbido no meu ouvido a 25 dias q não passa tipo um piiiiiiiiii continuo horrível …alguém sentiu esse sintoma? 03198278 6539

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  9. Tomo venlafaxina a mais ou menos 5anos .Tomei vários medicamentos até achar um do qual eu obtivesse resultados satisfatórios.E este foi a Venlafaxina,porém sofro com um dos efeitos colaterais do qual está prejudicando muito meu casamento ( a falta de desejo sexual) chega me dar um desespero….Já tentei parar mas não consegui pois além dos efeitos colaterais voltei a ter crises depressivas e de pânico …Estava a procura de respostas para minhas dúvidas e encontrei este grupo do qual quero fazer parte para ser ajudada e ajudar outras pessoas.Meu watts 18 997508654

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    • Luciene, quando eu tomava também tive o mesmo problema e infelizmente só voltei ter desejo sexual após ter resolvido para com este medicamento. Coloque na balança os prós e os contras e veja se neste momento da sua vida, vale a pena. Se valer a pena, continue pelo período mais curto possível e o melhor a fazer é retomar sua vida sem anti depressivo. Depois que parei a venlafaxina voltei fazer terapia com psicologo e entrei na natação, o que ajudou muito não voltar tomar antidepressivos. Boa sorte

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      • O Grupo está em andamento? Estou com o medicamento há meses…. não estou bem.
        Como foi a sua retirada/desmame, parou de uma vez?
        obrigada

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